A produtividade do Brasil e o fim da escala 6x1
Somos improdutivos demais para receber uma folga decente?
Oi, tem alguém aqui ainda?
Algumas mudanças na minha rotina me afastaram da newsletter, mas há tempos eu queria voltar ao menos a escrever por aqui e finalmente apareceu um assunto em que, talvez, eu tenha algo a dizer.
Então vamo lá.
Após levar muita porrada em pautas diversas, a esquerda finalmente conseguiu emplacar um movimento que deixou a direita histérica meio desorientada: O fim da escala de trabalho 6x1.
Para quem não sabe essa é a escala de quem trabalha seis dias na semana para folgar apenas um. Quem mantém um casa sabe que chamar esse dia sem trabalho de folga é um grande exagero, esse tempo sequer é suficiente para manter sua moradia em ordem.
A pauta conseguiu obter um grande apelo entre os trabalhadores a ponto de fazer até com que alguns parlamentares de direita assinassem o requerimento para colocar o debate em pauta e mesmo para defenderem sua aprovação.
Claro que após algum tempo os tecnocratas se reorganizaram para explicarem ao trabalhador porque na verdade ele deveria mesmo trabalhar a semana inteira, de preferência até morrer. O motivo é simples, a produtividade no Brasil é baixa e para aumentar os ganhos do trabalhador ou reduzir sua jornada de trabalho seria necessário elevar esse tal nível de produtividade.
Então, beleza, o que exatamente é essa “produtividade” e por que aqui no Brasil ela é baixa?
A primeira pergunta é fácil, o cálculo de produtividade é um valor de PIB por hora, ou seja, pega o total do PIB do país e divide pelo total de horas trabalhadas registradas. Pronto, tá aí seu número de produtividade, e o Brasil de fato não está lá muito bem posicionado nesse ranking, mas por quê?
Essa pergunta geralmente tem duas respostas comuns: A primeira é o viralatismo padrão de quem se sente um descendente de vikings perdido no calor tropical, que o brasileiro é vagabundo e trabalha pouco. A segunda, mais educada, diz que o problema é a baixa-qualificação do trabalhador brasileiro, motivo para não produzirmos produtos de maior valor agregado.
Em ambos os cenários a culpa é do trabalhador que supostamente produz pouco valor.
Só que esse raciocínio não leva em conta a estrutura da economia do Brasil que é pouco industrializada e focada em commodities agrícolas e minerais, basicamente soja, milho, minério de ferro e outras matérias primas de baixo valor.
Se exportamos minérios para que outro país produza um celular, quando este aparelho for vendido, o percentual que essa venda contribui para o nosso PIB é muito menor do que para o país em que o produto final, de alto valor agregado foi produzido.
Ou seja, não adianta colocar gente em shopping para vender eletrônicos importados todos os dias da semana, por mais que esses vendedores sejam “produtivos” (como se o resultado não fosse determinado também pela demanda) sua produtividade só servirá para elevar o PIB - consequentemente o PIB por hora que chamam de “produtividade” - de outros países.
Então, o negócio tá resolvido. É só o Brasil se industrializar, passar a produzir itens de alto valor agregado e aí sim, naturalmente o fim da escala 6x1 vai acontecer, sem necessidade de manifestações ou ações políticas, certo?
Bom, se tu tá lendo até aqui já deve saber que a resposta é não, né?
Ao contrário do que prega uma certa doutrina econômica aí, não digo qual, estes preceitos não são dados da natureza, como o movimento das estrelas ou a direção dos ventos.
Embora a correlação entre produtividade e ganhos para trabalhadores tenha ocorrido em alguns lugares em determinados momentos da história, já tem muito tempo que esses se descolaram na maior parte do mundo.
Um exemplo está nesse gráfico sobre a economia norteamericana desde o pós-guerra até o início do século XXI.

Embora a produtividade suba de forma quase constante, os ganhos de trabalhadores estacionaram no mesmo patamar desde o fim dos anos 70 e início dos anos 80, por coincidência, ao mesmo tempo em que se iniciou a desregulamentação dos mercados financeiros e início da hegemonia neoliberal no ocidente.
Mas isso é outra conversa, o que interessa aqui é entender que produtividade não esta diretamente relacionada aos ganhos dos trabalhadores e/ou consequentes reduções de jornada de trabalho.
E que direitos trabalhistas não vem a partir de uma métrica de desempenho (que sempre se move para mais e mais longe dos resultados do trabalhador), mas sim da legítima manifestação em prol do mínimo de qualidade de vida que é ter dois dias de folga na semana.
Por hoje é isso aí, muito obrigado a quem ainda segue essa newsletter após tanto tempo parada e por ter lido até aqui. Grande abraço e até a próxima, seja quando for.