Contra o pertencimento não há argumentos
Contra o pertencimento não há argumentos
Por Lucas D. M. dos Santos
Oi, tudo bem?
Caso você se sinta amparado por outras pessoas e sinta que possa contar com elas, é bem mais provável que a resposta seja sim.
Nós, humanos, somos animais gregários, como zebras, abelhas e boa parte dos nossos colegas primatas. Muito antes da sociedade já vivíamos em bando e nem mesmo a hiper individualização do nosso tempo conseguiu apagar esse traço.
Salvo exceções, passamos a maior parte da nossa vida em algum grupo, mesmo que atualmente muitos deles estejam à distância. Nascemos em uma família, torcemos para um time, frequentamos uma igreja, participamos de comunidades de interesses afins aos nossos, admiramos artistas e, junto de gente desconhecida, cantamos e dançamos as mesmas canções.
Além das vantagens econômicas e sociais que estes arranjos proporcionam, há algo que une todas essas experiências: A sensação de pertencimento. Um tipo de perspectiva compartilhada que valida alguns de nossos pontos de vista, ou mesmo nossa forma de existir e faz com que a gente se sinta amparado, mesmo que parcialmente, em nossas escolhas e medos.
É uma sensação difícil de descrever e, como muitas coisas na vida, mais perceptível pela falta. Pertencimento é ser aceito em um grupo de amigos após um ano solitário, ou de exclusão, é chegar em casa no fim do dia ou até caminhar por ruas de um local conhecido após um período distante.
Eu poderia gastar linhas e linhas em uma bela história sobre aceitação, mas acolhimento é apenas uma das faces dessa moeda, a outra é a exclusão. Muitas vezes essa tal perspectiva compartilhada é justamente uma inimizade ou em casos extremos a eliminação do outro. Torcidas organizadas se enfrentam por uma escolha alheia que não afeta sua vida, grupos supremacistas atacam pessoas por nada além de sua existência..
A necessidade de pertencimento em sociedades fragmentadas foi utilizado por ideologias totalitárias, como o fascismo e o nazismo, para promover o apagamento do indivíduo – ou seja, da divergência – e assim unir a sociedade em torno da aniquilação de grupos que não se encaixavam em seus ideais tortos.
Se você se acha muito diferente dos italianos e alemães dos anos 1930, está errado. Até podemos nos sentir racionais, mas nossas decisões também partem de afetos e sentimentos provocados, em grande parte, pelos grupos em que estamos inseridos, e não apenas de uma análise fria, da qual nos sentimos capazes.
Nós, defensores da ciência – até que ela contradiga o nosso signo – não entendemos como as crenças conspiratórias de familiares e colegas parecem imunes à exposição dos fatos que comprovam suas falhas. Quando a verdade é que não há fatos capazes de enfrentar a sensação de pertencimento.
O documentário “A Terra é Plana”, nos apresenta um grupo de párias sociais, pessoas de meia idade com quase nenhum amigo, que ainda vivem com os pais e até então sem qualquer experiência de relacionamento duradouro na vida.Pessoas que se conectaram através da crença sem sentido de que o planeta terra tem o formato de um disco e a partir disso passaram a frequentar eventos e convenções sobre o assunto. Lá se tornaram relevantes para outros, formaram laços e até encontraram relacionamentos amorosos. No lugar deles, quem de nós trocaria isso por saber o real formato da terra?
São justamente as pessoas privadas de pertencimento as mais facilmente cooptadas por crenças absurdas e ideologias totalitárias, gente que daria qualquer coisa para se encaixar em um grupo, nem que seja via WhatsApp ou Telegram e para receber notícias falsas sobre supostas consequências das vacinas, tratamentos ineficazes e perigosos para seu filho autista ou crenças supremacistas.
Ao nos depararmos com nossos pais, tios e avós nessa situação reagimos com argumentação agressiva, ou apenas os isolamos de nosso convívio. Nos afastamos dessas pessoas e as tornamos mais dependentes destas comunidades para que se sintam aceitos e acolhidos.
É óbvio que não é para acolher aquele seu primo dodói com uma suástica tatuada embaixo do umbigo. Mas há diferenças entre quem promove discursos de ódio e as pessoas cooptadas por ele nos últimos anos. O mundo não é preto e branco. Conheço um cara de meia idade, evangélico e convencido de que as vacinas são formas de implantar microchips em nosso corpo,ele também é um homem generoso, sempre disposto a ajudar e com um relacionamento mais saudável que boa parte dos caras “desconstruídos” que eu conheço.
Pode parecer absurdo, mas cada minuto de conversa com seu avô é um minuto a menos que ele passa vendo mensagens com notícias falsas e discursos totalitários. Ignorar sua existência e manter familiares isolados só servirá para que eles se afundem ainda mais em conspirações totalitárias.
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