Além de orbitar a mesma estrela, algo mais une todos os 8* planetas do sistema solar. (*9 se você já tem idade para tomar a quarta dose da vacina contra COVID19)
Em nenhum deles existem países. Nenhum mesmo. Nem aqui na Terra. Pouquíssimas fronteiras são reais, mesmo Europa e Ásia são geologicamente o mesmo continente. A maior parte das linhas e demarcações são arbitrárias. Fruto do cérebro humano, essa máquina de conectar informação e criar realidade.
Da nossa cabeça surgem linhas imaginárias capazes de nos unir ou separar, as quais eventualmente formalizamos em constituições e tratados internacionais. Quando o último humano se for da terra, com ele vai o contrato social, o acordo ímplicito que pressupõe a mim e a um morador do extremo norte do Amapá a mesma nacionalidade, embora ele esteja mais próximo de Miami do que daqui.
Porém, não é só de demarcações que se sustentam as nossas divisões. Somos separados por barreiras culturais, linguísticas e até formas de ver, pensar e sentir o mundo, as quais necessitam de tradução para poder alcançar mesmo quem está ao nosso redor. Daí surge o meu primeiro objetivo com essa newsletter: Caminhar nessas fronteiras.
Pode ser uma tarefa desconfortável, confusa, como tentar pensar em outra língua, por mais que se saiba o significado das palavras, elas não surgem tão naturalmente quanto no idioma nativo. Mas talvez não haja outra forma de cruzar linhas.
Aliás, falar de linhas cruzadas pode “dar gatilho” a quem viveu a época dos telefones com fio. O fenômeno que inviabilizava ligações natalinas, sinônimo de interferência indesejada na chamada, vozes estranhas no meio da conversa, ruído na comunicação entre outras dificuldades para entender quem está do outro lado. Uma versão analógica do que se tornou cacofonia digital das mídias sociais.
Todo o comportamento social on-line lembra uma chamada mal sucedida. Eventuais tentativas de conversa se perdem em meio ao monólogo viciante da busca por viralização que move o algoritmo. O deus tecno-distópico alimentado pela nossa atenção, a commodity do século XXI.
Para conquistar seguidores gritamos cada vez mais alto na esperança de sermos ouvidos, sem oferecer, em contrapartida, a nossa atenção de volta. Não dá para nos culpar, as redes nos tornaram um bando de neuróticos viciados em estímulos.
Conectados por 24 horas ao dia e a mais gente do que nunca, temos dificuldade para fazer contato. Estamos dispersos, não conseguimos mais conversar com nossos pais e avós, perdemos pessoas queridas para uma ideologia autoritária. E agora?
Acredito que as linhas que nos separam ainda podem ser cruzadas e conexões reestabelecidas. Como? Isso eu também quero descobrir.
O objetivo dessa newsletter é cruzar o máximo de linhas o possível, compreender o outro através das suas subjetividades, das entrelinhas. Entendo que a comunicação acontece pelas intersecções e que não adianta falar sozinho ou pregar para convertido.
Buscar a subjetividade não é abandonar fatos e significados objetivos. Dois mais dois ainda são quatro, vacinas salvam vidas e uma tentativa de golpe de estado deve ser investigada e todos os envolvidos punidos com o rigor da lei, em especial financiadores e agentes públicos coniventes.
Porém, mesmo a concretude pode ser mensurada e eventualmente desfeita, no fim das contas muros servem mesmo é para serem derrubados.
O caminho adiante é tortuoso. Envolve saltar trilhos, lidar com os fios desencapados das próprias verdades para tentar chegar um pouco mais fundo. Cruzar linhas exige esforço, é andar em terreno escorregadio, nadar onde não se dá pé.
O que me lembra do conselho de David Bowie para jovens artistas, que encontrei em um texto da Aline Valek.
“Acho que é terrivelmente perigoso para um artista atender às expectativas de outras pessoas. Geralmente produzem seus piores trabalhos quando fazem isso. Se você se sente seguro na área em que você está trabalhando, você não está trabalhando na área certa. Sempre vá um pouco mais adiante na água do que você sente que é capaz de ir. Quando você sente que não consegue tocar o fundo com os pés, você está justamente no lugar certo para fazer algo realmente empolgante.”
Há quem enxergue na citação uma metáfora barata sobre zona de conforto, eu leio um incentivo a perseguir o próximo passo, entender onde se está, ver se dá pé, para então chegar um pouco mais fundo.
Ao contrário das conexões superficiais das quais estamos saturados, contato exige profundidade. E se eu puder resumir a temática dessa newsletter em duas palavras elas talvez sejam “Buscar contato”. Acreditar que as linhas cortadas podem ser reestabelecidas e que as linhas traçadas podem ser apagadas. Afinal, se são frutos da imaginação, nada as impede de serem repensadas.
Linhas cruzadas podem formar conexões ou fechar curto-circuito, ao lidar com elas é preciso saber o que se está fazendo e calcular os riscos, os quais invariavelmente teremos de correr.
Bom, pra mim faz sentido e pra você?
Me conta aí!
E até a próxima.